Seminário aponta desafios e avanços na Reciclagem

Márcio Martins / Insea
Publicado 29/09/2015 14:45 Última modificação 29/09/2015 15:04

Quem participou do III Seminário Internacional de Rotas Tecnológica pela Promoção da Reciclagem saiu do encontro com vários questionamentos sobre a atual cultura de consumo em que vivemos e com a certeza de que existem tecnologias sendo aplicadas no Brasil e em demais países que contribuem, e muito, com a preservação e manutenção do nosso meio ambiente.

Um dos assuntos principais, tratados ao longo do encontro, foi o aquecimento global. Os convidados Laurent Durieux, Assessor internacional da Embaixada da França e Conselheiro Clima e Desenvolvimento Sustentável, e a Assessora do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, Ivone Alves de Oliveira Lopes, falaram sobre o assunto.

“O clima futuro do planeta depende diretamente das nossas escolhas sociais e econômicas”, disse Laurent após falar sobre as mudanças climáticas e suas implicações para o equilíbrio do planeta e seus caminhos, soluções, desafios para uma governança global.

O Assessor do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, Ivo Poletto, levou questões importantes para contribuir com o debate que envolve o tema Aquecimento Global. “O que estamos fazendo para uma transição energética em nosso país? Poderíamos estar fazendo diferente. O nosso potencial eólico é três vezes maior do que consumimos atualmente”, disse Ivo.

Ainda segundo Ivo Poletto, até o ano de 2020 a previsão é que a energia solar será a mais barata. “Só nos telhados das casas, produzimos três vezes mais o que precisamos para abastecer aquela residência. Atualmente estamos apostando na tecnologia errada”, completou Ivo, que também é Cientista Social e Educador Popular.

A reciclagem dos resíduos gerados pela sociedade, tema central do seminário, é uma das principais tecnologias apontadas para a redução dos efeitos climáticos. O Diretor Executivo da Methanum, Luís Felipe Colturato, apresentou dados da reciclagem no Brasil e experiências com biocombustível realizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

Segundo os dados apresentados por Luís Felipe, atualmente 927 municípios brasileiros contam com a coleta seletiva implantada pelas prefeituras e mais de 75% da população brasileira apoia a coleta seletiva feita pelos catadores. “A coleta seletiva no Brasil só funciona graças aos catadores”, disse Luís Felipe.

O cofundador do Conselho de Reciclagem de Orgânicos da Califórnia e especialista de redução de resíduos no Conselho de Reciclagem do Condado de Alameda, Steven Sherman, falou sobre as experiências vividas no estado da Califórnia, especialmente na cidade de São Francisco, onde a plataforma Lixo Zero já é uma realidade.

Dentre as experiências da cidade Norte Americana, podemos destacar a coleta e o reaproveitamento dos resíduos orgânicos gerados pelos americanos. Segundo dados apresentados, a evolução da coleta de restos de alimentos e podas em São Francisco subiu de 21 toneladas no ano de 2000 para 159 toneladas em 2012.

Segundo Steven, o sucesso do programa de tratamento de resíduos em São Francisco se dá graças às estratégias de: Estabelecer programas convenientes; Conduzir vasta campanha pública; Fornecer incentivos para geradores e prestadores de serviços; e Adotar políticas e fazer cumprir. “Gostei muito do que conheci aqui no Brasil. São ótimas experiências. Podemos dizer que não existe uma única alternativa e sim alternativas complementares”, ressaltou Steven. A cidade de São Francisco conta com mais de 800 mil habitantes, e tem como meta, até 2020, reaproveitar 100% dos resíduos gerados. Atualmente este índice está em cerca de 85%.

O professor de economia da Universidade de São Paulo-USP, Ricardo Abramovay, falou sobre a “Responsabilidade compartilhada na gestão de resíduos sólidos para uma sociedade mais próspera”.

Abramovay apresentou dados de um Brasil que cresce, mas não consegue firmar sua Política Nacional de Resíduos Sólidos. Segundo dados apresentados pelo professor, a geração de resíduos aumentou cinco vezes mais, entre os anos de 2003 e 2014, do que o crescimento populacional. Outro dado preocupante apresentado pelo economista é que aumentou o número de municípios com coleta seletiva no país, mas não aumentou a quantidade de material reciclado. “Os catadores são os responsáveis por recolher o desperdício da nossa sociedade. Estamos muito longe de uma sociedade que recicla”, disse Abramovay.

O professor apresentou alguns desafios que temos pela frente. “O Setor privado é que deve assumir os custos, da mesma forma que na União Europeia e, cada vez mais, nos Estados Unidos. Outro ponto é a remuneração dos catadores. Não pode depender da ‘venda’ de produtos. Além de não haver pagamento por prestação de serviços, eles ficam a mercê dos valores impostos pelo mercado: um exemplo atual, com a queda nos preços do petróleo, alguns materiais acabam ficando mais baratos”, completou.

Clique aqui para ter acesso ao material apresentado no III Seminário Internacional de Rotas Tecnológicas pela promoção da Reciclagem.

Logística Reversa e o Acordo Setorial

A logística reversa foi tema na mesa de debate “Construção de uma agenda nacional para gestão de resíduos sólidos urbanos e promoção da reciclagem no Brasil”. O painel contou com a participação da Diretora do Departamento de Ambiente Urbano – Ministério do Meio Ambiente (MMA), Zilda Maria Faria Veloso, com o Coordenador do Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis (CIISC), Ary Pereira, com o representante da CEMPRE Compromisso Empresarial para Reciclagem, André Vilhena, e com o representante da Coordenação Nacional do MNCR, Roberto Laureano. A mesa foi mediada pelo Assessor nacional da ANCAT/MNCR, Dione Manetti.

“Quando começamos a escutar sobre a logística reversa, só queríamos saber do material. Mas, com o tempo, buscamos entender melhor e compreendemos que estamos envolvidos na prestação de serviço de todo o processo”, ressaltou Roberto Laureano do MNCR, que também apontou a importância da participação dos catadores fora dos galpões de triagem, “Não dá pra ficar dentro dos galpões triando material de má qualidade. Queremos ir além. Queremos coleta seletiva solidária”, disse.

A logística reversa é uma das novidades introduzidas pela Política Nacional dos Resíduos Sólidos, ela estende a responsabilidade do fabricante à destinação final de seu produto ou embalagem.  Atualmente quem realiza a logística reversa na prática são os catadores, pois são os responsáveis pela reintrodução de materiais recicláveis nos circuitos produtivos. No entanto não são remunerados por esse serviço ambiental. A partir dos princípios do poluidor pagador e do protetor recebedor, definidos pela mesma legislação, os catadores poderão ser pagos por essa atividade.

“O acordo setorial é uma parte importante porque da diretrizes e é o ponto de partida desse processo. As empresas terão que criar embalagens 100% recicláveis”, lembrou André Vilhena.

O coordenador do CIISC, Ary Pereira, lembrou da importância da participação dos catadores em todo o processo que envolve a catação e o tratamento adequado de resíduos. “Nós criamos uma mesa de diálogo permanente com os catadores. Política de Direitos não é assistencialismo. Não estamos prestando favor aos catadores, que formam uma classe trabalhadora”, disse.

Brasil, América Latina, África e Filipinas

No último dia do III Seminário Internacional de Rotas Tecnológicas pela promoção da Reciclagem foi montada uma mesa de diálogo com os representantes da África do Sul, Uganda e Filipinas e também contou com a participação do catador de Brasília, representando o MNCR, Ronei Alves, e Anna Romanelli representando a Fundação AVINA.

Os representantes dos países africanos e da Filipinas apresentaram a realidade de seus países em relação ao tratamento e destinação dos resíduos e à questão da inclusão social da sua população.

“Tínhamos o problema de pouco conhecimento nessa área. A população de Uganda não tinha noção da importância da correta destinação aos resíduos. Mas as pessoas começaram a mudar um pouco os seus hábitos e se preocuparem mais com essas questões. Depois da intervenção feita pelo Serviço Ambiental, já temos lugares mais limpos”, disse o representante da

Environmental Health & Sustainable Livelihood

, Amosiah Ongatai.

O trabalho de conscientização feito na Uganda já apresenta vários frutos positivos. Além de mostrar ambientes mais limpos, Ongatai apresentou fotos da população local construindo fossas em suas casas, o que não era comum de se ver. Outro avanço apresentado foi o carvão criado a base do resíduo orgânico, “É bom para cozinhar e evita o desmatamento”, completou o Ugandês.

Gershwin Kohler apresentou alguns dados da Cidade do Cabo, capital da África do Sul. Segundo Gershwin, que faz parte da Organização não Governamental, Solid Waste Net Work, a capital conta hoje com, aproximadamente, 2 mil  catadores. “A nossa principal atividade é a melhoria na questão habitacional. A reciclagem ainda é uma questão complementar, mas sabemos de sua importância. Temos o desafio de melhorar na questão da organização”, disse.

A Filipina, Cynthia Calubaquib, falou sobre a importância de participar do Seminário. “O Seminário me abriu a mente para muitas questões, como a ecológica e a ambiental. Me colocou o desafio de olhar para além da reciclagem”, disse a representante da ONG Kariton Center, que desenvolve um trabalho voltado para a população em situação de rua.

O representante do MNCR, Ronei Alves, falou das semelhanças que os representantes dos outros países apresentaram com a realidade de alguns pontos do Brasil. Segundo o catador os avanços são frutos das batalhas cotidianas. “Perdemos muitos companheiros nos lixões e nas ruas de nossas cidades brasileiras para alcançar os avanços que conquistamos”, disse o catador.

“Inclusão dos catadores não é dar um par de chinelos e uma cesta básica no final do mês. Nós queremos é trabalhar com dignidade e receber pelo serviço prestado. O INSEA é uma das instituições que mais nos ajuda nessa busca diária pela valorização dos catadores”, ressaltou Ronei.