Encontro Estadual de catadoras e catadores reafirma a luta pela Reciclagem Popular

A continuidade da profissão, o avanço do reconhecimento, valorização através de contratos de prestação de serviços, modelos de gestão de resíduos, logística reversa, entre outros, foram os temas debatidos entre os mais de cem catadores e catadoras de todas as regiões do estado do Rio Grande do Sul, que nos dias 14 e 15/06 se encontraram em Santa Cruz do Sul para realizar o primeiro encontro de formação deste ano.

Após dois anos sem encontros presenciais, este foi marcado por grande alegria e emoção, na esperança de poder reiniciar os processos de encontros presenciais. “Temos uma certa segurança agora com a vacinação da população, por isso estamos aos poucos retomando atividades presenciais com maior número de pessoas, mantendo os cuidados necessários para protegermo-nos uns aos outros e continuar nossa luta”, comenta Michele Ferreira, catadora e membra da coordenação estadual do MNCR RS.

Intercambio de conhecimentos e experiências para fortalecer e empoderar a categoria

O encontro que teve como tema: “Os desafios do povo frente ao cenário atual”, contou com a participação de militantes de outros movimentos e entidades para contribuir no processo de socialização de saberes proporcionado por este momento.

O primeiro dia foi marcado por estudo da realidade, com falas do MST, Comissão Nacional do MNCR com a coordenadora nacional Aline Souza de Brasília, também Douglas Filgueiras do Centro de referência em direitos Humanos da Avesol, Cristiano Benites pelo Centro Sama e Vera Lúcia pelo MNCR RS , catadora da Coomcat, anfitriã do evento.

Após as falas o encontro foi tomado por grande emoção e debates com a participação dos participantes fazendo falas a partir de suas realidades.

“Retornei com a energia renovada emanada da alegria e determinação do movimento. Tarefa histórica da nossa classe é derrotar o fascismo na atual etapa que vivemos, de Resistência Ativa!
Seguimos hermanados na luta por direitos e vida digna! Comenta Gabriela Severo, da Direção Regional metropolitana do MST, que realizou uma fala na mesa de abertura do evento.

A parte da tarde, foi realizada o trabalho em grupos para construção de estratégias para o período atual de lutas, culminando em acordos coletivos e em um documento final do encontro.

“Queremos um modelo de reciclagem que distribua a riqueza , o poder e o conhecimento produzido a partir do resíduo, tendo as organizações de catadoras e catadores como protagonistas nos serviços de gestão dos resíduos em parceria com as comunidades, governos e empresas, assim a sociedade toda ganha, essa é a nossa reciclagem popular”, afirma Fagner Jandrey, catador e membro da Secretaria Estadual do MNCR RS.

Solidariedade com as catadoras e catadores da Coomcat

Não foi por acaso que o encontro foi realizado em Santa Cruz do Sul, local onde a Cooperativa de Catadores/as de Santa Cruz do Sul-Coomcat se constituiu como uma das referências em reciclagem popular no estado e país. A cooperativa que há mais de dez anos presta o serviço de coleta seletiva solidária e gestão da usina municipal de resíduos tem enfrentado nessa atual administração municipal uma ameaça ao avanço e continuidade do seu trabalho.

A prefeitura municipal decidiu privatizar parte dos bairros que ainda não são atendidos pela coleta seletiva solidária, sem apresentar nem dialogar com a sociedade este projeto, nem considerou as propostas apresentadas pela Coomcat. E também abriu licitação para uma área de transbordo, decidindo não enviar mais os resíduos a usina, tirando boa parte da renda da cooperativa e enterrando o que poderia ainda ser reaproveitado.“ A Prefeita Helena Hermany(PP) demonstrou de que lado está, mesmo nossa proposta demonstrando que podemos gerar mais postos de trabalho e desenvolvimento pro município, ela decidiu entregar para as empresas privadas, que geram poucos postos de trabalho e concentram a renda, sem falar na qualidade do serviço que é muito diferente da nossa, que tem uma relação direta com a comunidade.” Relata Janete de Oliveira, catadora da Coomcat.

A vencedora da licitação da coleta seletiva que atenderá os bairros aonde a Coomcat não atende foi a Conesul,já para área de transbordo não houve interessados.

No segundo dia o aprendizado foi na rua, com a realização de uma mobilização de rua ,que percorreu as ruas da cidade denunciando o retrocesso da privatização na gestão dos resíduos e defendendo as organizações de catadores e catadoras como ferramentas de desenvolvimento local e geradoras de cidadania.

A caminhada se dirigiu até a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, onde uma Comissão Estadual, com representantes de cooperativas e associações de todas as regiões foi recebida pelo secretário Jaques Eisenberger e a diretora de gestão ambiental Gabriela Ottman.

Foi entregue uma carta de reivindicação ao secretário, que entre outros pontos, solicitava a assinatura imediata da renovação dos convênios com a cooperativa(segundo eles já estão na procuradoria do município para assinatura), o repúdio a criminalização da luta da Coomcat e do MNCR(três integrantes do movimento e a cooperativa estão sendo processados pela prefeita por calúnia e difamação), a priorização dos catadores/as nas ações de gestão de resíduos e que a prefeitura assuma os custos da adequação da usina municipal dos resíduos se as mudanças se efetivarem.

“Demonstramos que as catadoras e catadores da Coomcat não estão sozinhos, e se precisar voltaremos em dobro para não deixar que mais retrocessos aconteçam na cidade” comentou a catadora Fabiana Fernandes, coordenadora da Cootafra de Pelotas.

Mau exemplo para os gestores públicos

Logo na chegada a secretaria do meio ambiente foi negado acesso aos banheiros para as catadoras. Não queriam aceitar a entrada de toda a comissão de negociação tentando limitar o número a seis pessoas. E também o secretário do meio ambiente não estava presente.

Após muita insistência foi garantida a entrada de toda comissão e a participação do secretário na negociação.

Outro ponto a se salientar foi a nítida falta de comunicação entre secretário e diretora de gestão ambiental, demonstrando no mínimo despreparo sobre os temas. Quando questionados sobre os argumentos(inconsistentes) que justificam a privatização, ficaram constrangidos e sem respostas.

Mesmo com todas as dificuldades, conquistamos nosso espaço e demos nosso recado, essa luta não acaba aqui, estamos vigilantes e preparados para somar, mexeu com um mexeu com todos! Comenta a catadora Jaluza Bairros , coordenadora da Aclan de Uruguaiana.

União de esforços e rede de solidariedade

O encontro estadual foi viabilizado através das entidades parceiras dos catadores e catadoras, como Associação do Voluntariado e Solidariedade-AVESOL, Fundação Luterana de Diaconia-FLD, Mitra Diocesana de Santa Cruz do Sul, e contou também com apoio da universidade Unipampa, Instituto Federal de Educação Farroupilha, Global Comunities, Cáritas, Instituto Federal de Educação Sul Riograndense.

“A Avesol vem há 20 anos apostando no fortalecimento da economia solidária, e acredita que só com este apoio a Redes é possível que esta alternativa de economia seja possível. A exemplo a articulação da Rede Ideia. As pessoas se encontrarem, as catadoras e os catadores, se fortalecendo diante de um cenário de tantos retrocessos é necessário. E na cidade de Santa Cruz que precisa de todo apoio agora, justamente por ser referência,é extremamente importante que a gente se una em torno do bem comum e de ações que vão fomentar essas ações.” Comenta Daniela Van der Straeten Pimentel, Supervisora Administrativa da Avesol.

Após os ato de rua foi finalizado o encontro e o deslocamento de volta das caravanas com a energia redobrada e compromisso firmado em manter e aumentar a rede de solidariedade em torno desta causa e das lutas do povo.

Leia o documento final do encontro