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No Cairo, a coleta de lixo foi entregue à grandes empresas

Jornal Le Monde, 27 de Maio de 2010

Reportagem de Hervé Kempf

Tradução: Marcelo Negrão

 

No Cairo, a coleta de lixo foi entregue à grandes empresas, mas as ruas continuam cheias de lixo.

A marginalização dos Catadores tradicionais, conhecidos como “Zabbalines” é retrocesso à reciclagem.



No caos da movimentação das ruas da cidade do Cairo, é necessario um olhar atento para perceber a circulação de inofensivas carroças, carregadas com pilhas de papelão ou de grandes sacos plasticos cinzas, que fazem seu caminho pelo intenso calor da capital egipcia. Essas carroças têm importância vital nessa metropole de 16 milhões de habitantes: elas transportam e retiram uma grande quantidade do lixo produzido na cidade em direção à espaços proprios, onde os “Zabbalines” (Catadores) fazem a triagem e a reciclagem.



O bairro conhecido como Manchiet Nasser, aos pés de uma pequena montanha e não muito distante do centro da cidade, é um desses locais onde se faz a triagem. As ruas, bastante calmas, apresentam o mesmo aspecto rustico e antiquado que os demais bairros da capital egipcia. Mas esse bairro tem um pouco mais de lixos espalhados pela rua do que os demais. Sacos rasgados, latas e lixos soltos se acumulam nas garagens. Em toda parte mulheres fazem a triagem de plasticos, metais e garrafas, entre crianças que brincam e cabritos que buscam algo para comer.



Mais de 30 mil pessoas, a grande maioria de religião cristã, vivem nesse bairro, nessa que é, sem duvida, a maior cidade do mundo recicladora de residuos. Os pioneiros se instalaram por laa partir dos anos 1940, vindos de regiões pobres do norte do Egito. E encontraram seu lugar gerindo os residuos de uma metropole que cresceu vertiginosamente.



Mas ha alguns anos a vida dos Zabbalines vem ficando cada vez mais dificil: desde 2003 as autoridade confiaram a gestão dos residuos à grandes empresas. A idéia era de racionalizar o sistema e melhor atender aos bairros pobres, nem sempre atendido pelos Zabbalines. Depois, na primavera de 2009, tendo como pretexto a epidemia da Gripe Suina (Gripe A, H1N1), o governo abateu 300 mil porcos dos Zabbalines. Além de terem perdido uma fonte de alimento e renda, os animais se alimentavam da matéria orgânica triada pelos Catadores. Esses fatos pioraram ainda mais a situação deles.



Disputa pelas lixeiras

No meio desse imapsse, apoiado em uma pilha de sacos plasticos reciclados que irão para a China ou para Libia, Youssef – ele não revela seu sobrenome para não ter problemas com a policia – reclama: “a profissão esta morrendo. Nos comiamos carne de porco três vezes por semana, agora, carne somente 1 vez por mês. Olhe em nossa volta, estão todos desempregados”



Face às multinacionais, os Zabbalines tentam se adaptar ao novo cenario: a empresa italiana “AMA Arab” passou a fazer contratos com eles, deixando a coleta e, nos aterros sanitarios e lixões, os materiais reciclaveis. Mas em outros bairros da cidade do Cairo, outras companhias contratadas pelo governo – espanholas e egipcias – entraram em um relativo estado de guerra. Os Catadores fazem coleta dentro das lixeiras das empresas e continuam a catação nas casas e prédios, deixando apenas a matéria organica – que não tem serventia – nas ruas.



Assim então, a gestão do lixo não encontra um ponto de acordo para melhorar. “Se tivessemos um quarto da capacidade tecnica das grandes empresas, fariamos muito melhor do que eles”, afirma Girgus Soliman, um Zabbaline que ganha sua vida graças à uma maquina e lhe permite de reciclar o plastico e de preparar a venda.



“Nos bairros de classe média e alta, as pessoas pagam mais do que antes pelo mesmo serviço” resume Lise Debout, que estudou o problema no Centro de Estudos e Documentação Economicas e Juridicas (CEDEJ) do Cairo. “Nos bairros populares do centro da cidade os moradores também estão pagando mais, mas a situação melhorou. Em compensação, na periferia a situação é disparate, e muitas vezes, degradante. Lixões a céu aberto, no meio das ruas podem ser encontrados com frequencia nessas areas”. Quanto as taxas de reciclagem, ela se tronaram mediocres: nas empresas privadas atingem entre 2% e 8%, contra cerca de 80% para os Zabbalines.



“Nosso governo tentou trazer um sistema de gestão que funciona nos paises do norte” estima Laila Iskander, uma consultora que trabalha com os Zabbalines desde 1982. “Mas ignorou a presença e o trabalho dos catadores, e assim não esta funcionando”.



Nada indica, entretanto, que as autoridades queiram mudar de rumo. Para Manchiet Nasser, um novo boato pode ser ainda pior: o governador projeta remover todo o bairro para dar lugar à um projeto turistico...