CARTA DE BRASÍLIA

Os participantes do 1º CONGRESSO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS, realizado em Brasília nos dias 4, 5 e 6 de junho de 2001, que contou com a participação de 1.600 congressistas, entre catadores, técnicos e agentes sociais de dezessete estados brasileiros, e os 3.000 participantes da 1ª MARCHA NACIONAL DA POPULAÇÃO DE RUA, no dia 7 de junho do mesmo ano, apresentam a toda a sociedade e às autoridades responsáveis pela implantação e efetivação das políticas públicas, as reivindicações e propostas que seguem. E o fazem contando com a força nascida de um longo processo de articulação, apoiado pelo Fórum Nacional de Estudos sobre População de Rua, que teve seu ponto alto no 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel, realizado em Belo Horizonte, MG, em novembro de 1999, onde decidiu-se pela organização do presente Congresso.

Conscientes da nossa cidadania e da importância do trabalho que desenvolvemos e das tecnologias por nós elaboradas, já qualificadas em mais de cinco décadas de atuação cotidiana, tomamos a iniciativa de apresentar ao Congresso Nacional um ante-projeto de lei que regulamenta a profissão catador de materiais recicláveis e determina que o processo de industrialização (reciclagem) seja desenvolvido, em todo o país, prioritariamente, por empresas sociais de catadores de materiais recicláveis.

Em relação ao Poder executivo, propomos:

1.1 – Garantia de que, através de convênios e outras formas de repasse, haja destinação de recursos da assistência social para o fomento e subsídios dos empreendimentos de Catadores de Materiais Recicláveis que visem sua inclusão social por meio do trabalho.

1.2 - Inclusão dos Catadores de Materiais Recicláveis no Plano Nacional de Qualificação Profissional, priorizando sua preparação técnica nas áreas de gestão de empreendimentos sociais, educação ambiental, coleta seletiva e recursos tecnológicos de destinação final.

1.3 - Adoção de políticas de subsídios que permitam aos Catadores de Materiais Recicláveis avançar no processo de reciclagem de resíduos sólidos, possibilitando o aperfeiçoamento tecnológico dos empreendimentos com a compra de máquinas e equipamentos, como balança, prensas etc.

1.4 - Definição e implantação, em nível nacional, de uma política de coleta seletiva que priorize o modelo de gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos, colocando os mesmos sob a gestão dos empreendimentos dos Catadores de Materiais Recicláveis.

1.5 - Garantia de que a política de saneamento tenha, em todo o país, o caráter de política pública, assegurando sua dimensão de bem público. Para isso, sua gestão deve ser responsabilidade do Estado, em seus diversos níveis de governo, em parceria com a sociedade civil.

1.6 - Priorização da erradicação dos lixões em todo o país, assegurando recursos públicos para a transferência das famílias que vivem neles e financiamento para que possam ser implantados projetos de geração de renda a partir da coleta seletiva. E que haja destinação de recursos do programa de Combate à Pobreza para as ações emergenciais.

2 - Em relação à cadeia produtiva:

2.1 – Garantir nas políticas de financiamentos e subsídios, que os recursos públicos sejam aplicados, prioritariamente, na implantação de uma política de industrialização dos materiais recicláveis que priorizem os projetos apresentados por empresas sociais de Catadores de Materiais Recicláveis, garantindo-lhes acesso e domínio sobre a cadeia da reciclagem, como estratégia de inclusão social e geração de trabalho e renda.

3 – Em vista da cidadania dos Moradores(as) de Rua

3.1 – Reconhecimento, por parte dos governos, em todos os níveis e instâncias, da existência da População de Rua, incluindo-a no Censo do IBGE e garantindo em lei a criação de políticas específicas de atendimento às pessoas que vivem e trabalham nas ruas, rompendo com todos os tipos de discriminação.

3.2 – Integração plena da População de Rua na política habitacional que garanta e subsidie a construção de casas em áreas urbanizadas, e que parta da recuperação e desapropriação dos espaços ociosos nos centros das cidades, garantindo-lhes o direito à cidade.

3.3 - Priorização da geração de oportunidades de trabalho, com garantia de acesso a todos os direitos trabalhistas, aos Moradores de Rua, superando especialmente as discriminações originadas na falta de domicílio e/ou na indicação de endereços de albergues.

3.4 – Promoção de políticas públicas de incentivo às associações e cooperativas de produção e serviços para e com os Moradores de Rua.

3.5 – Garantia de acesso à educação de todos os Moradores de Rua, especialmente das crianças, em creches e escolas, independente de comprovante de residência, possibilitando também a inclusão das famílias que moram nas ruas no programa Bolsa-Escola.

3.6 – Inclusão dos Moradores de Rua no Plano Nacional de Qualificação Profissional, como um segmento em situação de vulnerabilidade social, garantindo seu encaminhamento a formas de trabalho que geram renda.

3.7 - Garantia de atendimento no Sistema Único de Saúde - SUS aos Moradores de Rua, abrindo também sua inclusão nos programas especiais, como “saúde da família” e similares, “saúde mental”,DST/AIDS/HIV e outros, instituindo “casas-abrigo” para apoio dos que estão em tratamento.

Frente à significativa representação destes eventos, não temos mais dúvidas quanto à força e importância de nosso movimento e acreditamos que a transformação da realidade atual, será progressiva e crescente.

Acreditamos que a partir deste momento o Estado e a sociedade brasileira não terão condições de negar o valor do nosso trabalho. Lutaremos para alcançar maior autonomia e condições adequadas para exercer nossa profissão, comprometendo Estado e sociedade na construção de parcerias com nossas associações e/ou cooperativas de trabalho.

Trabalharemos cotidianamente pela erradicação do trabalho infantil e do trabalho nos lixões, colocando nossa força e nossas tecnologias à serviço da preservação ambiental e da construção de uma sociedade mais justa.

Pelo fim dos lixões!

Reciclagem feita pelos catadores, já!

Brasília, junho de 2001