Posicionamento do MNCR sobre o Decreto Federal 11.044/22

Catadores de materiais recicláveis militantes do MNCR lançaram no dia 23 de junho, durante o 9o Encontro Regional de Coleta Seletiva, em Sertãozinho, interior de São Paulo, um posicionamento critico ao Decreto Federal 11.044/22 que instituiu o programa Recicla+ e revogou regulamentação anterior da Politica Nacional de Resíduos Sólidos no que diz respeito a logística reversa de embalagens no país.

O encontro contou com a participação de representação de catadoras e catadores de diversas regiões do Estado de São Paulo, além de representantes da Comissão Nacional do MNCR. O documento foi aprovado pela plenária do encontro e o MNCR buscará apoio de entidades e movimentos parceiros para exigir a revogação do Decreto.

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Leia o Documento na integra:

A Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, aprovada e sancionada no ano de 2010, foi um grande conquista para a construção de um novo modelo de gestão de resíduos, garantindo e priorizando a participação das cooperativas e associações de Catadores de materiais recicláveis.

No entanto, nos últimos 11 anos, a regulamentação dos instrumentos da lei ocorreram de forma injusta pelo país e a prioridade da gestão da coleta seletiva solidária pelos catadores e catadoras não foi uma prioridade.

O Decreto 11.044, publicado no dia 13/04/22 pelo Governo Federal, é uma completa distorção da PNRS e colabora para dificultar a implementação da logística reversa voltada as embalagens em geral, além de descaracterizar o papel central dos catadores e catadoras de materiais recicláveis, dificultando a participação da categoria na prestação de serviços de destinação correta das embalagens. Vale lembrar que é a nossa categoria a responsável por 90% de tudo que é reciclado no país e promove inclusão social e produtiva.

Dentre os pontos negativos que prejudicam o avanço da logística reversa de embalagens em geral no país trazidos pelo Decreto,  elencamos abaixo aqueles que entendemos afrontarem de maneira mais violenta a Constituição Federal, a lei 12.305/10 e os direitos já conquistados pelos catadores:

O Decreto coloca as organizações de catadores como apenas uma opção, dentre outras possíveis para a realização da logística reversa de embalagens em geral, sem priorizar, em desconformidade com a lei 12.305/2010, que tem nos seus objetivos a inclusão dos catadores e ainda indica a priorização desta categoria em projetos relacionados a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e embalagens.

No capítulo de definições, o Decreto conceitua entidade gestora, que é a responsável pela estruturação e implementação de sistemas de logística reversa de produtos e embalagens, com uma caracterização que exclui todas as entidades que desenvolvem há mais de 10 anos projetos de logística reversa com organizações de catadores, indo, inclusive, contra a definição das legislações estaduais já existentes. O decreto produz uma situação curiosa, pois apesar de existir diversas iniciativas que atuam na logística reversa de embalagens em geral no país, apenas uma enquadra-se na caracterização do Decreto, dada pelo Governo Federal. Mais estranho ainda, é que na semana seguinte a sua publicação, o Governo Federal, antes mesmo de regulamentar o cadastro das entidades gestoras, como prevê o Decreto, já participava de um leilão de notas fiscais com a única entidade que teoricamente enquadra-se no seu conceito. Vale destacar que, neste leilão, nenhuma organização de catadores conseguiu comercializar resultados de logística reversa.

O Decreto, novamente em desacordo com a lei 12.305/10, traz a recuperação energética como opção de cumprimento da logística reversa de embalagens em geral, sem apontar nenhum mecanismo de controle e garantia de que não teremos uma desaceleração da destinação de resíduos para a reciclagem no país. As opções por queima de resíduos sempre se apresentam como uma solução simples e rápida, no entanto, seus prejuízos ao meio ambiente são tanto ou mais prejudiciais do que o simples aterramento dos resíduos.

O Decreto exige, para validação dos resultados de logística reversa, além da nota fiscal, o Certificado de Destinação Final – CDF dos resíduos, documento emitido apenas pelo último elo da cadeia, aquele dá a destinação final para o material, que na cadeia da reciclagem, invariavelmente, é a indústria. Como não mais do que 10% das organizações de catadores possuem operações de venda diretamente para a indústria da reciclagem, com esta determinação, o Governo Federal decreta o fim da participação das organizações de catadores no sistema de logística reversa de embalagens em geral.

O Decreto 11.044/22 não foi submetido a consulta publica, em desacordo com o Decreto 10.936/22, também publicado pelo Governo Federal, em janeiro do corrente ano, o que nos leva a pergunta sobre qual dos Decretos deve ser considerado válido: o que não passou por consulta pública ou aquele que exige que instrumentos deste tipo passem por consulta pública?

O Recicla+, lançado pelo Governo Federal, por meio do Decreto 11.044/22, na verdade é o Recicla "menos", uma vez que prejudica a participação nesse processo daqueles que são os maiores responsáveis pela reciclagem no país, ou seja, nós catadores e catadoras de materiais recicláveis.

O MNCR mobilizará toda suas bases em cooperativas e associações, além de parceiros para a defesa d categoria e de um processo que coloque o país na vanguarda da reciclagem popular e solidária.

A carta é enfática quanto a importância da logística reversa para a cadeia de embalagens e nos faz refletir se o Decreto 11044/22 tem de fato essa premissa.

Não faz nenhum sentido, um Decreto Federal, cujo objeto é tratar da logística reversa cuja missão é garantir o retorno das embalagens ao ciclo produtivo trazer a tona um tema como a recuperação energética por meio das embalagens.  Estamos diante de um governo Federal que tem atuado insistentemente na desregulação da pauta ambiental no país. 

Sertãozinho, São Paulo, 23 de junho de 2022

MNCR - Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis