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Massacre no centro de São Paulo: 4 anos de impunidade

O Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Pastoral do Povo da Rua,  Movimento pelos Direitos da População em Situação de Rua de S. Paulo e o Fórum das Organizações que Trabalham com a População de Rua promoveram no ultimo dia 19 um ato público lembrando os 4 anos de impunidade sobre o massacre de moradores de rua no Centro de São Paulo.

O ato contou com a presença e solidariedade de diversos movimentos sociais e de entidades de defesa dos direitos humanos. No final do ato, foi organizado um debate com os candidatos a Prefeitura de São Paulo para que esses assinassem documentos assumindo compromisso com a população em situação de rua. Nenhum dos candidatos mais cotados para o cargo compareceu ao encontro.

  

  

    

Massacre no centro de São Paulo: 4 anos de impunidade

por: Hamilton Octavio de Souza*

Há quatro anos, uma série de assassinatos horrorizou a população de São Paulo. Pelo menos oito pessoas em situação de rua foram mortas a pauladas na região central da cidade, nos dias 19 e 22 de agosto de 2004. Cinco foram agredidas e feridas na cabeça. Nos dias seguintes, outras nove pessoas, também moradores de rua, foram dadas como desaparecidas, sendo que algumas delas teriam testemunhado os assassinatos. Até hoje, quatro anos depois, o massacre de São Paulo não levou ninguém a julgamento – os culpados continuam impunes.

 

 

O caso, evidentemente, chamou a atenção da mídia e das autoridades na época. A mídia, em pouco tempo, deixou os crimes de lado, ficaram relegados ao esquecimento. As autoridades policiais, o Ministério Público e o Judiciário tentaram encontrar os criminosos, pelo menos era esse o seu trabalho, mas, aos poucos, colocaram o processo em banho-maria, sem apontar e levar a julgamento os criminosos.

 

Até onde foi possível apurar, o massacre foi praticado por seguranças (vigilantes) privados, membros da Guarda Civil Metropolitana e policiais militares, provavelmente por controle do tráfico de drogas na região ou por encomenda de comerciantes incomodados com a população de rua. Os principais suspeitos continuam livres e soltos.

 

Todos os anos, no dia 19 de agosto, a Pastoral do Povo da Rua, coordenada pelo padre Julio Lancelotti, organiza na praça da Sé um ato para lembrar o massacre – inclusive para evitar que o caso seja colocado totalmente no esquecimento. Geralmente a imprensa relembra o massacre com uma ou outra notinha burocrática, apenas para fazer o registro, e as autoridades repetem velhas declarações sobre a falta de solução para o crime.

 

É claro que boa parte da sociedade paulistana – e brasileira – prefere esquecer o que aconteceu a expor a tragédia em toda a sua brutalidade. Primeiro é preciso compreender porque tantas pessoas, isoladas ou em grupos familiares, habitam as ruas da cidade mais rica do País, dormem nas ruas, embaixo dos viadutos ou no meio dos arbustos nas praças públicas. Todos precisariam entender que tipo de sociedade leva pessoas a esse estágio de degradação e não consegue praticar uma solidariedade capaz de resolver essa situação.

 

A outra questão exposta nesse massacre é a violência articulada e movida por interesses econômicos, seja para o tráfico ou para manter “limpa” as ruas comerciais do grande centro. Trata-se de uma violência brutal orquestrada por pessoas acima de qualquer suspeita, provavelmente pais de família que freqüentam os mais civilizados ambientes. No entanto, o caso revela as entranhas apodrecidas de uma sociedade desumanizada pelo dinheiro.

 

O terceiro aspecto do massacre é a conivência explícita do sistema público – o aparelho estatal – com a violência e com o crime, uma conivência determinada pela condição social e econômica dos mortos, e não pelo fato de ostentarem a condição humana. É claro que as autoridades amoleceram na apuração do crime por falta de expressão do grupo social e desinteresse da sociedade. Também porque as vítimas eram pessoas que já estavam degradadas pelo sistema, praticamente sem direitos e sem cidadania.

 

O massacre do centro de São Paulo, quatro anos depois, está aí para incomodar a todos sobre a distância que o Brasil ainda precisa percorrer para chegar a uma sociedade civilizada, justa e verdadeiramente democrática. Vivemos uma grande farsa, pois achamos – equivocadamente – que poderemos seguir em frente sem escancarar toda a verdade desse crime bárbaro ocorrido no centro de São Paulo.

 

Em nome das vítimas – Ivanildo, Cosme, Antonio, Antonio Carlos, Daniel, Maria e dois homens não identificados –, o mínimo que se pode fazer é pedir: Justiça!

 

 Texto publicado originalmente do Site de Rede Rua

 

*Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP